No dia 10 de novembro foi lançado o livro “Os miseráveis capitães da areia e do asfalto: etiqueta, desvio e discurso” de Marcela de Castro Reis, ex-pesquisadora do Observatório. Nós, do Observatório para a Qualidade da Lei, estamos extremamente felizes e congratulamos Marcela por essa rica produção, que foi fruto de pesquisas desenvolvidas em seu Mestrado, sob orientação da Coordenadora do Observatório Profa. Dra. Fabiana de Menezes Soares. Convidamos todos a conhecerem a obra.
Confiram o Prefácio do livro, que foi escrito pela Coordenadora do Observatório, Profa. Dra. Fabiana de Menezes Soares
Ces intérêts ne consistent que dans l’ordre social, vos droits dans la sagesse de la Loi; cette Loi reconnaît tous les hommes frères; cette Loi auguste que la cupidité avait plongée dans chãos est enfin sortie des ténèbres. Si le sauvage, l’homme la méconnait, il est fait pour être chargé de fers et dompté comme les bruts.
L’Esclavage des Noirs, ou l’heurex Naufrage,
Olympe de Gouges
Eu sou o medo do fraco,
A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu fui, eu vou
Gita, Raul Seixas
12,7% dos estudantes da 1ª série do Ensino Médio, abandonaram os estudos entre os anos de 2014 e 2015 no Brasil.
Fonte: Censo Escolar/INEP 2017
O processo de dar nomes e adjetivar pessoas acontece na linguagem do direito com peculiar frequência e constante necessidade.
Nesse processo de coisificação, o etiquetamento de pessoas e categorias de indivíduos evidencia o processo de deformação presente na representação da realidade social brasileira e seus indicadores de desigualdade e ilegalidades.
Por outro lado, o signo jurídico nem sempre é capaz de conter o significado de pessoas, como os jovens e adolescentes infratores, coisa que as artes, em especial, a literatura e a música conseguem desnudar sem mediações retóricas.
O sentido do discurso da lei, desnudado a partir da fala do legislador em momentos, datados, traduz-se em preciosa evidência do legado pejorativo incidente sobre estes “quase iguais” animalizados e assim, num cículo vicioso e viciado, resta pouca margem para redenções.
Escolhido e trilhado pela autora, seu percurso de descoberta das nuances e camadas do etiquetamento do menor, jovem, infrator, adolescente no Brasil foge do lugar comum da sua vitimização ao concentrar-se no olhar externo, dos ‘outros” presentes em outras geografias onde gravitam gente de bem e um sistema sócio-educativo que emula a miséria e a degradação do sistema prisional brasileiro.
A escolha pela análise da “língua” falada no Congresso Nacional que por sua vez integra o suposto discurso neutro da lei ( e não dos legisladores…) não deixou de ser ambígua e estranhamente profética diante do desvelamento de tantos véus perpetrados pela Lava a Jato. Artífices dos apenamentos pelo desvio de outrem, o discurso parlamentar se conecta ao clamor popular sedento por respostas rápidas e midiáticas.
Mais uma vez, as camadas que cercam as escolhas que produzem sentido nos textos da lei culminam por expressar uma dissociação entre a justeza, ponderação, responsabilidade dirigida às camadas mais vulneráveis de onde o Estado se retirou por motivos inconfessáveis, mas não indevassáveis.
A autora escolhe falar pelos que não tem voz, os “fracos” inserta num dado lugar que lhe propicia um enorme leque de possibilidades dadas pelo precoce talento e erudição (como os seus leitores poderão comprovar nas páginas que se seguem).
Comprometer-se com assuntos incômodos, por vezes, encontra sua maior ênfase nos trabalhos de mulheres, tais como a citação da peça de teatro “O Feliz Naufrágio” de Olympe de Gouges, tão francesa como o Victor Hugo invocado na presente obra. Revolucionária de primeira obra, ela mostra as incongruências na exclusão de “outros” não aceitos como livres, iguais, dignos de fraternidade.
A vivência de uma sociedade responsável não ocorre sem o cumprimento de deveres ocultados pela inversão de prioridades encetada pelas autoridades nas suas diversas manifestações do exercício do poder, a começar pelas políticas públicas que não zelam pelos espaços das escolas, das quadras, das praças, o que por sua vez alimenta o círculo de “dissociações” de quem não se sente parte de comunidade alguma.
A arte que denuncia, aponta o caminho para redenções possíveis não só dos ‘desviantes” inicialmente tratados, mas daqueles, que dentro do Estado acham-se descompromissados com as possibilidades dos novos olhares, das diversas possibilidades que a educação disponibiliza para o projeto da nação brasileira.
Por fim, a arena da opinião pública ganha com a obra que qualifica o debate sobre políticas públicas para jovens e recupera o papel da administração pública ( em todas as suas formas) dos legisladores para um círculo virtuoso responsável.